2009/12/22

Comunidades de Prática: um novo paradigma, um novo desafio para os CRC - Centros de Recursos em Conhecimento


Mais do que uma metodologia ou de um conjunto de processos eficazes para a aprendizagem em comum, as Comunidades de Prática oferecem ao sujeito da sociedade pós-moderna actual uma nova oportunidade, uma base diferente para dar sentido prospectivo ao seu projecto de vida como actor social. Perdido nos enredos da economia global, do individualismo triunfante, da mundialização, da produção e cultura de massas, o indivíduo-global passa a dispor, por esta via, de uma alternativa aos dispositivos convencionais (agências de socialização), quer sejam integradores ou comunitaristas, que são intrínsecos ao “paradigma social” dominante.
Através das Comunidades de Prática, que assentam num modelo colaborativo que reequilibra a dimensão racional do sujeito com a sua condição cultural, social e psicológica é possível construir uma nova relação com o conhecimento e oferecer um quadro particularmente desafiador para a inovação social.
O modelo das Comunidades de Prática assenta, a meu ver, num conjunto de ideias – força das quais se destacam as seguintes:
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-       uma visão do conhecimento como um processo dinâmico e complexo de co-construção que remete para diversas escalas incluindo a esfera e a experiência individual;
-       uma intencionalidade dos protagonistas que faz apelo ao espírito empreendedor e a uma atitude de comprometimento com o desenvolvimento e potencialmente com a inovação social;
-       uma  valorização da cooperação e da partilha a par da diversidade, do espírito critico e da confrontação de ideias e opiniões;
-       uma dinâmica de rede não – hierarquizada de pessoas que cooperam entre si para desenvolver temas comuns, compartilham voluntariamente as suas experiências e conhecimentos, divulgam e aplicam as soluções que desenvolveram em conjunto;
-       o recurso a ferramentas de comunicação que surgem como facilitadoras da interacção entre os diversos  membros,  organizadoras dos processos colaborativos, promotoras da participação flexível, construtoras de ambientes favoráveis à expressão da diversidade e indutoras de processos claramente emocionais e relacionais traduzidos em cumplicidades, em resiliência e em espírito inclusivo.
De uma forma geral podemos antecipar algumas distorções ou enviesamentos naquele que será o processo de instalação das Comunidades de Prática (CdP) no âmbito do importantíssimo projecto de Rede dos CRC - Centros de Recursos em Conhecimento que numa atitude facilitadora inédita na Administração Central portuguesa o CNQF – Centro Nacional de Qualificação de Formadores está a impulsionar.
Em primeiro lugar, no que concerne à participação / adesão à CdP uma visão de representação de entidades e instituições em detrimento de uma implicação individualizada expressa em áreas de interesse que motivam directamente o participante, como pessoa e como actor de intervenção social.
Em segundo lugar, em matéria de acção e actividades a realizar, uma atitude burocrática e passiva, que se traduz numa expectativa permanente face à iniciativa de uma coordenação que é vista como uma hierarquia funcional e não como um elemento regulador das diversas dinâmicas que avançam através da acção concertada de elementos da rede com interesses comuns.
Em terceiro lugar,  no domínio cooperação e da partilha de experiências e soluções, uma actuação de reserva e de protecção de know how cuja disseminação é entendida como uma perca e consequentemente como uma transferência para concorrentes, assumindo uma participação orientada por critérios e intenções egoístas e não – colaborativos.
Em quarto lugar, em matéria de resultados e impactos, uma participação guetizada, fechada nos limites da própria Comunidade de Prática, sem fazer repercutir na acção quotidiana as mais –valias do trabalho colaborativo, adoptando uma visão de Grupo de Estudos e adulterando a natureza iminentemente prática da CdP como influenciadora de processos de mudança social.
Em quinto lugar, atendendo aos meios de comunicação previsivelmente a serem adoptados e utilizados, com destaque para as ferramentas colaborativas da Web2, assumir um “distanciamento  tecnológico” face à dinâmica colectiva dos diversos membros da CdP, não assumindo os desafios da actualização e da exploração das inúmeras ferramentas colocadas hoje à disposição da interacção e da colaboração on line, colocando como pretexto as barreiras tecnológicas para justificar uma atitude conservadora face à cooperação, ao trabalho colaborativo e à aprendizagem em comum.
Em sexto lugar, em termos de animação do grupo-rede, manter uma visão relativamente convencional das funções e dos papeis a serem desempenhados pelos diversos elementos da CdP, remetendo para figuras instituídas como o Coordenador, o Secretário, o perito, o avaliador, o investigador resistindo a uma abertura efectiva a actuações predominantemente mediadoras, fornecedoras de mais – valias pelo incentivo à auto-organização e à negociação, para além da gestão do relacional. Surgirão neste caso, entre outras, figuras com actuações descentralizadas como os Contadores de histórias da CdP, dos Anfitriões que acolhem e incentivam à participação, dos Diplomatas que estabelecem e fomentam as relações externas com entidades e pessoas do domínios temáticos similares, os NetMecânicos que ajudam na resolução de problemas informáticos e de comunicação electrónica,  os Bibliotecários que organizam e disponibilizam conteúdos para todos, os Organizadores de Eventos que promovem a interacção social e iniciativas de interesse comum.
Desta forma seriam de considerar alguns passos a serem seguidos nos próximos tempos para feitos de instalação e dinamização das Comunidades de Prática dos CRC – Centros de Recursos em Conhecimento vulgo projecto CRC Aprendentes:
1º Delimitar o Plano de Acção dos clusters (estratégia de dinamização dos membros, iniciativas regulares e sistemáticas, acções orientadas para os utilizadores finais, pesquisa de soluções de patrocínio e co-financiamento) do processo de lançamento das CdP.
2º Lançar convite para as Comunidades de Prática a pessoas tendencialmente dinamizadoras do núcleo inicial da CdP. Convite personalizado com referencia a um quadro alternativo de temas hipoteticamente organizadores do domínio  central que agrupará os diversos membros.
3º Criado o Núcleo Inicial, promover através da plataforma instituída para o efeito (reforçando eventualmente com outros meios complementares) um debate a distância sobre a Comunidade de Prática e as suas definições iniciais: domínio temático, participações e adesões fora do âmbito exclusivo dos CRC, ideias para o seu funcionamento e organização participada e partilhada da primeira sessão presencial.
4º Realização da primeira sessão presencial. Um encontro visando um bom conhecimento e relacionamento entre os participantes, a adopção de um domínio e a definição de resultados esperados no final do primeiro ciclo de actividade. Definição ainda das ferramentas a adoptar e das funções e papéis internos à CdP.
5º Interacção entre as actividades da CdP e do cluster. Definir  processos de interacção regular estabelecendo as pontes entre os dois domínios de actuação com base em dois critérios centrais: a focalização nos interesses dos utilizadores finais dos CRC e a inovação como plataforma colectiva de desenvolvimento.
O projecto CRC Aprendentes está a dar os seus primeiros passos. Tem todas as condições para ser um êxito. Para tal importa, antes de mais, que os diversos protagonistas assumam o desafio da inovação como algo que combina aspectos atitudinais, individuais e colectivos. Há que agir, urgentemente, nessas três frentes.

Carlos Ribeiro
Animador – facilitador das Comunidades de Prática dos clusters dos CRC – Centros de Recursos em Conhecimento