2013/06/09

Maldito artigo 21 ou como validar e certificar competências


Há o Artigo 21, da Constituição da República Portuguesa, favorável aos cidadãos, que garante o direito de resistência e agora há o outro, o 21 da Portaria que institui os CQEP - Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional e extingue os CNO – Centros Novas Oportunidades  favorável às elites, que garante que o sistema de diferenciação social vigente se perpetua anulando  um novo direito social, o direito ao reconhecimento do valor social das aprendizagens.

O que se aprende na escola vale mais que o que se aprende na vida através da experiência, esta é a base do Artigo 21 das elites, Artigo da Portaria nº 135 – A /2013 de 28 de Março. Ao decretar  uma avaliação de base escolar no sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) e rejeitar  o próprio conceito de competência, sobrevalorizando isoladamente o conceito de conhecimento, decreta o esmagamento, sem dó nem piedade, da inovação social mais poderosa dos últimos anos no sistema de qualificações em Portugal.
Um sistema baseado nas competências
O sistema RVCC formalizado no início dos anos 2000 assentava nas premissas inversas às que agora ganham figura de lei. Baseava-se na equiparação inequívoca do valor das aprendizagens independentemente das suas origens e processos de desenvolvimento. Ao mesmo tempo o sistema  regulava os mecanismos de validação e certificação através de dispositivos de interface, os referenciais de competências e estabelecia processos de operacionalização baseados na autonomia, na co-responsabilização, na co-construção e na revalorização, com utilidade subsequente para a vida quotidiana, do capital de competências até então desenvolvido. Para os novos “normalizadores” o “desvio das competências” foi intolerável. O que vale, vale mesmo, é o conhecimento escolar, escolástico, enciclopédico, formal, absoluto, universal, insuspeito. O dos manuais, dos exames para passar com 10, dos papagaios para caneta de professor, do descartável mas indispensável. Nunca ouviram as palestras de António Câmara da YDreams sobre “o que não se aprende nas Escolas e devia ser aprendido”?

CONTINUAÇÃO clicar em mais informações


Reconhecimento é do próprio
O Artigo 21 decreta na 6ª alínea relativa ao RVCC “O adulto obtém o reconhecimento e validação de cada uma das áreas de competências-chave….quando o valor resultante do cálculo da seguinte expressão for igual ou superior a 100 pontos”. Ou seja, o processo de avaliação assenta na ideia que o reconhecimento  das competências pode ser algo de externo ao próprio sujeito. Mas esta ideia é absurda no plano teórico e técnico. O reconhecimento das competência só pode ser realizada pela próprio adulto. É ele(a) que ao revisitar as suas experiências identifica os processos de combinação, desenvolvidos em cada circunstância concreta, entre conhecimento, aptidões e atitudes na resolução de problemas ou na definição de soluções para situações de tensão ou conflito. O papel de facilitador dos técnicos (que se apoiam nas metodologias das histórias de vida e do balanço de competências para o efeito) é apenas o de criar condições para um percurso aprofundado por parte do adulto nesta operação de revisita qualitativa. Como podem técnicos de ORVC, formadores e professores reconhecer competências se a experiência é do adulto? Com esta abordagem cai por terra todo o sistema RVCC que estabelece uma missão impossível, e já agora indesejável, para os operadores externos aos adultos em processo.
A certificação de competências
Se o sistema fica moribundo com a sua escolarização e negação do sujeito como principal protagonista do sistema, a intenção “normalizadora” de certificar as competências através de provas, entra no domínio do surreal. Afirma-se, já no Artigo 22 na segunda alínea “ A demonstração das competências do adulto é efetuada através da realização de uma prova escrita, oral, prática ou de uma prova que resulte da conjugação daquelas tipologias”, e por esta via nega-se em absoluto o próprio sistema baseado num processo de validação organizado em torno do Referencial de Competências. Se a validação ocorre, através da negociação, da pesquisa-desenvolvimento, do aprofundamento temático entre as experiências vividas e o sentido dado a cada experiência pelo adulto, numa relação dinâmica com o Referencial e a identificação das competências concretas, qualquer “prova”, “exame” é absurda e até contra procedente. A prova só tem sentido se for para os “normalizadores  académicos” responderem a uma velha pergunta que os apaixona “Mas ele(a) sabe ou não sabe?”. Ora o que está em causa nesta matéria é bem mais profundo e mais exigente que a abordagem minimalista que a pergunta sugere. Na realidade, para eles, trata-se de revalorizar socialmente as relações de poder instituídas, porque a verdadeira pergunta que querem fazer é “ele(a) sabe ou não sabe, aquilo que nós lhes ensinamos?”.
A morte dos avaliadores externos
Fui, por imperativos das funções que desempenhava no início dos anos 2000 na ANOP, o primeiro avaliador externo num processo de júri, aquando da conclusão de processo do Sr. Ramos, o primeiro adulto em Portugal a ver validadas e certificadas as suas competências e consequentemente ter obtido uma equiparação ao 9º ano de escolaridade. Tinha sido realizada, no processo preparatório daquela sessão, uma acção de formação sobre o tema envolvendo os seis primeiros centros de RVCC.  Uma iniciativa da ANEFA, que então dinamizava acções de formação – acção por todo o país. Promovemos a actividade formativa ao ar livre, recorrendo a processos de teatralização. A ideia – força era desmistificar a função sancionatória e punitiva, do avaliador externo. Recorremos a figuras acacianas e ao perfil “professor – primário do estado-novo” para caricaturar o indesejável.
Pois bem, ele aí está de novo. Só lhe falta o ponteiro e o equipamento necessário para as reguadas.

Carlos Ribeiro, 9 de Junho 2013