Há o Artigo 21, da Constituição da
República Portuguesa, favorável aos cidadãos, que garante o direito de
resistência e agora há o outro, o 21 da Portaria que
institui os CQEP - Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional e
extingue os CNO – Centros Novas Oportunidades favorável às elites, que garante que o
sistema de diferenciação social vigente se perpetua anulando um novo direito social, o direito ao
reconhecimento do valor social das aprendizagens.
O que se aprende na escola vale mais
que o que se aprende na vida através da experiência, esta é a base do Artigo 21
das elites, Artigo da Portaria nº 135 – A /2013 de 28 de Março. Ao
decretar uma avaliação de base
escolar no sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências
(RVCC) e rejeitar o próprio
conceito de competência, sobrevalorizando isoladamente o conceito de
conhecimento, decreta o esmagamento, sem dó nem piedade, da inovação social
mais poderosa dos últimos anos no sistema de qualificações em Portugal.
Um
sistema baseado nas competências
O sistema RVCC formalizado no início
dos anos 2000 assentava nas premissas inversas às que agora ganham figura de
lei. Baseava-se na equiparação inequívoca do valor das aprendizagens
independentemente das suas origens e processos de desenvolvimento. Ao mesmo
tempo o sistema regulava os
mecanismos de validação e certificação através de dispositivos de interface, os
referenciais de competências e estabelecia processos de operacionalização
baseados na autonomia, na co-responsabilização, na co-construção e na
revalorização, com utilidade subsequente para a vida quotidiana, do capital de
competências até então desenvolvido. Para os novos “normalizadores” o “desvio das
competências” foi intolerável. O que vale, vale mesmo, é o conhecimento
escolar, escolástico, enciclopédico, formal, absoluto, universal, insuspeito. O
dos manuais, dos exames para passar com 10, dos papagaios para caneta de
professor, do descartável mas indispensável. Nunca ouviram as palestras de
António Câmara da YDreams sobre “o que não se aprende nas Escolas e devia ser
aprendido”?
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Reconhecimento
é do próprio
O Artigo 21 decreta na 6ª alínea
relativa ao RVCC “O adulto obtém o reconhecimento e validação de cada uma das áreas
de competências-chave….quando o valor resultante do cálculo da seguinte
expressão for igual ou superior a 100 pontos”. Ou seja, o processo de avaliação
assenta na ideia que o reconhecimento
das competências pode ser algo de externo ao próprio sujeito. Mas esta
ideia é absurda no plano teórico e técnico. O reconhecimento das competência só
pode ser realizada pela próprio adulto. É ele(a) que ao revisitar as suas
experiências identifica os processos de combinação, desenvolvidos em cada
circunstância concreta, entre conhecimento, aptidões e atitudes na resolução de
problemas ou na definição de soluções para situações de tensão ou conflito. O
papel de facilitador dos técnicos (que se apoiam nas metodologias das histórias
de vida e do balanço de competências para o efeito) é apenas o de criar
condições para um percurso aprofundado por parte do adulto nesta operação de
revisita qualitativa. Como podem técnicos de ORVC, formadores e professores
reconhecer competências se a experiência é do adulto? Com esta abordagem cai
por terra todo o sistema RVCC que estabelece uma missão impossível, e já agora
indesejável, para os operadores externos aos adultos em processo.
A
certificação de competências
Se o sistema fica moribundo com a
sua escolarização e negação do sujeito como principal protagonista do sistema,
a intenção “normalizadora” de certificar as competências através de provas,
entra no domínio do surreal. Afirma-se, já no Artigo 22 na segunda alínea “ A
demonstração das competências do adulto é efetuada através da realização de uma
prova escrita, oral, prática ou de uma prova que resulte da conjugação daquelas
tipologias”, e por esta via nega-se em absoluto o próprio sistema baseado num
processo de validação organizado em torno do Referencial de Competências. Se a
validação ocorre, através da negociação, da pesquisa-desenvolvimento, do
aprofundamento temático entre as experiências vividas e o sentido dado a cada
experiência pelo adulto, numa relação dinâmica com o Referencial e a
identificação das competências concretas, qualquer “prova”, “exame” é absurda e
até contra procedente. A prova só tem sentido se for para os “normalizadores académicos” responderem a uma velha
pergunta que os apaixona “Mas ele(a) sabe ou não sabe?”. Ora o que está em
causa nesta matéria é bem mais profundo e mais exigente que a abordagem
minimalista que a pergunta sugere. Na realidade, para eles, trata-se de
revalorizar socialmente as relações de poder instituídas, porque a verdadeira
pergunta que querem fazer é “ele(a) sabe ou não sabe, aquilo que nós lhes
ensinamos?”.
A
morte dos avaliadores externos
Fui, por imperativos das funções que
desempenhava no início dos anos 2000 na ANOP, o primeiro avaliador externo num
processo de júri, aquando da conclusão de processo do Sr. Ramos, o primeiro
adulto em Portugal a ver validadas e certificadas as suas competências e
consequentemente ter obtido uma equiparação ao 9º ano de escolaridade. Tinha sido
realizada, no processo preparatório daquela sessão, uma acção de formação sobre
o tema envolvendo os seis primeiros centros de RVCC. Uma iniciativa da ANEFA, que então dinamizava acções de
formação – acção por todo o país. Promovemos a actividade formativa ao ar
livre, recorrendo a processos de teatralização. A ideia – força era
desmistificar a função sancionatória e punitiva, do avaliador externo.
Recorremos a figuras acacianas e ao perfil “professor – primário do
estado-novo” para caricaturar o indesejável.
Pois bem, ele aí está de novo. Só
lhe falta o ponteiro e o equipamento necessário para as reguadas.
Carlos Ribeiro, 9 de Junho 2013